29 de abril de 2020

Luzes de emergência de acenderão automaticamente, por Luisa Geisler

Luzes de emergência se acenderão automaticamente eBook: Geisler ...Henrique mora nos subúrbios de Porto Alegre com os pais, e é um garoto que se considera, em todos os aspectos, uma pessoa normal. Está na faculdade, trabalha num posto de gasolina em meio período, tem uma namorada. Fala pouco, é introspectivo, mas cultiva amizades sólidas. Tudo muda quando seu melhor amigo, Gabriel, bate a cabeça num acidente banal e, pouco tempo depois, é hospitalizado em coma. Após uma cirurgia de emergência, não há muito que fazer por ele, dizem os médicos. Apenas esperar. E Ike, os pais de Gabriel, o irmão mais velho e os amigos aguardam o menor sinal de melhora. É então que, perto do Natal, Ike começa a escrever. São cartas em sequência ao amigo, como uma conversa, onde relata o que se passa na ausência do amigo. Para "quando tu acordar", diz ele. "Queria saber quando tu ia acordar, como tu tá, o que tem acontecido, se tem algo que dê pra fazer", escreve Henrique. As cartas são entremeadas por narrativas curtas, que dão a elas uma dimensão adicional: até que ponto Ike sabe realmente o que acontece à sua volta? O que pensam os outros?

Henrique - ou Ike - é um jovem gaúcho (e canoense) como qualquer outro: um pouco perdido, querendo fazer algo memorável sem saber muito bem como, se entre a faculdade, o emprego de atendente em um posto e uma cervejinha no final de semana. Ele não é dramático, não é um super-herói e definitivamente não é o tipo de cara que alguém olharia duas vezes no meio de uma multidão. E, ainda assim, ele vive um drama que poucas pessoas já viveram: seu melhor amigo está em coma.

Henrique e Gabriel cresceram juntos, na mesma vizinhança, mas eram totalmente diferentes: Gabriel se destacava em tudo que fazia, era extrovertido, engraçado, cativante, enquanto Ike sempre foi mais introspectivo, um cara comum. Mas, de algum jeito, os dois eram como irmãos, e quando Gabriel se machuca da forma mais inesperada possível e entra em coma, Henrique decide escrever cartas para atualizá-lo do que aconteceu enquanto ele dormia.

As cartas começam com narrações normais: como todos estão lidando com a ausência de Gabriel, o que os amigos fizeram nas férias da faculdade, como a família de ambos têm levado a vida adiante... porém, com o passar do tempo, Ike transforma aquelas atualizações quase que em um diário, e lemos sobre sua primeira experiência com alucinógenos, as multi-facetas de seu namoro com Manu, as visitas que ele fez a Gabriel; lemos sobre Dante, um garoto que desempenha um papel fundamental na vida de Ike, e sobre Rafinha, irmão de Gabriel.

Durante todo o livro as pessoas parecem incomodadas com Henrique, por não estar chorando, ou de cama, ou morando no hospital com o amigo. Mas com o passar da leitura entendemos que essas cartas são o luto de Ike, a forma como ele consegue se expressar, mesmo que elas acabem o afastando das pessoas ao seu redor.

E entre uma carta e outra, um passeio de trem e outro, acompanhamos Ike tentando conviver com a ausência de Gabriel e ao mesmo tempo descobrindo novas coisas sobre si e as pessoas ao seu redor.

Uns comentários pessoais e coisa e tal

Li esse livro para um projeto de extensão do IFSul, e desde que a proposta foi feita, me peguei ansiosa para iniciar a leitura, primeiro por ser de uma autora gaúcha, e depois porque ele foge bastante dos gêneros que tenho lido este ano. 

A verdade é que o livro não me decepcionou, mas também não fugiu do esperado. É o tipo de obra que você lê e no fim não sabe distinguir um ápice da trama ou o que exatamente a leitura te acrescentou; uma daquelas coisas excelentes para matar o tempo, se distrair, mas que não têm muito implícito, tudo já está dado para o leitor.

Gostei muito do formato do livro e da linguagem utilizada, que faz com que tenhamos realmente a sensação de estar lendo algo escrito no calor do momento, sem muita enrolação. Isso torna a leitura meio difícil em alguns pontos, pois os pensamentos de Henrique ficam confusos e complicados de entender, mas aceitei como parte da experiência (até porque se eu estivesse escrevendo para minha melhor amiga, não acho que outra pessoa que lesse entenderia tudo).

Uma coisa que me incomodou um pouco foi o final. Não vou dar spoilers aqui mas senti como se a história não tivesse fechado, e não de forma intencional por parte da autora, foi realmente como se algumas pontas tivessem ficado de fora (pontas bem importantes, diga-se de passagem). No entanto, uma coisa interessante é que para entender bem o último capítulo, é preciso ter sido extremamente atencioso aos detalhes da história, caso contrário nada vai fazer sentido.

Eu recomendo Luzes de emergência para aqueles que estão no meio de uma saga e precisam de uma pausa, algo para desviar o pensamento, ou para quem quer realmente apenas matar um tempinho nessa quarentena. É um livro pesado no quesito emoção, mas que não vai te fazer pensar muito durante a leitura.

Trechos para lembrar...

"Eu penso no teu epitáfio", ele disse. "E tu pensa no meu."

É boa a sensação de não ser nada, mas nada mesmo.

-Quando alguém tão próximo de ti vai embora do nada, tu percebe que tem fotos demais e lembranças de menos.

"Mas", ele disse, "luzes de emergência se acendendo automaticamente podem ser úteis."
"Dá pra usar no cinema, em prédios, na rua, coisa e tal."
"Imagina essas luzes na nossa vida. Hein, tá dando alguma merda que te tira a noção, que deixa as coisas mais nebulosas. As luzes acendem."
"Deve ter pessoas assim, que são luzes."
"E quando tu é cego pras luzes, hein?"
"Daí é uma emergência mesmo."

...então essa é minha vidinha, eu sou feliz e triste e ainda fico me perguntando como é que será que isso é. 

6 de abril de 2020

Como as democracias morrem, por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

Nota: pessoal, se vocês ainda não assistiram a terceira temporada de La Casa de Papel, podem largar essa postagem e ir ver agora que eu não me importo viu? TÁ PERFEITA

Uma análise crua e perturbadora do fim das democracias em todo o mundo Democracias tradicionais entram em colapso? Essa é a questão que Steven Levitsky e Daniel Ziblatt - dois conceituados professores de Harvard - respondem ao discutir o modo como a eleição de Donald Trump se tornou possível. Para isso comparam o caso de Trump com exemplos históricos de rompimento da democracia nos últimos cem anos: da ascensão de Hitler e Mussolini nos anos 1930 à atual onda populista de extrema-direita na Europa, passando pelas ditaduras militares da América Latina dos anos 1970. E alertam: a democracia atualmente não termina com uma ruptura violenta nos moldes de uma revolução ou de um golpe militar; agora, a escalada do autoritarismo se dá com o enfraquecimento lento e constante de instituições críticas - como o judiciário e a imprensa - e a erosão gradual de normas políticas de longa data.

Como as democracias morrem é um panorama geral do declínio de várias democracias mundiais. O livro faz uma análise minuciosa de cada uma delas, nos mostrando como começaram e o que foi ou não foi feito para impedir que certos regimes democráticos (alguns bem antigos e renomados) se tornassem regimes altamente ou moderadamente autoritários. Basicamente, somos apresentados às grades de proteção de uma república, e como elas devem agir para impedir que líderes com tendências autoritárias alcancem o poder, e, se isso já tiver acontecido, como contê-los ou derrubá-los.

A obra tem como ponto central a democracia norte-americana, de forma que passamos por quase toda a história política dos Estados Unidos e somos apresentados, detalhadamente, aos principais ex-presidentes do país e aos porquês do sistema democrático deles ter sido tão firme através dos tempos, e não ter entrado em colapso, como aconteceu no Brasil em 1964

Levitsky e Daniel falam sobre a famosa Constituição norte-americana, apontam suas inúmeras falhas e explicam como, apesar de tudo isso, nenhum presidente ascendeu como um ditador. Caminhamos com eles pelas salas esfumaçadas nas quais aconteciam os principais acordos políticos dos Estados Unidos, e lemos sobre o complexo sistema eleitoral do país, seus inúmeros avanços ao longo dos anos e como ele próprio, na tentativa de ser mais democrático, abriu margem para que demagogos tivessem sua chance de ocupar a presidência.

Todos esses pontos sobre os Estados Unidos são apontados fazendo paralelo com outros países que já viveram sob uma ditadura ou passaram muito perto de uma e conseguiram impedi-la. A conclusão e o ápice do livro (e também o motivo de tudo que antecede esse ponto) é uma análise dos primeiros anos do governo Trump, em que os escritores explicam suas razões para acreditar que Donald Trump já tentou e continua tentando infringir várias regras silenciosas que protegeram a república norte-americana por séculos.

Esse livro é extremamente importante para que entendamos como as polarizações, as faltas de boa-conduta por parte dos nossos líderes, as famosas fake news e os idealismos extremistas podem ser um perigo para o sistema democrático de qualquer país. 

Se tem alguma parte desta obra que podemos usar para fazer paralelo com o Brasil, é a polarização de partidos e o perigo que é tornar eleitores partes conflitantes de dois polos homogêneos, sem um ponto de intersecção ou concordância; quando um partido defende apenas as minorias e outro acolhe somente a burguesia, isso significa que não há colaboração ou meio-termo entre eles, o que pode causar o caos, e o caos pode facilmente levar a queda de qualquer democracia.

Quotes inesquecíveis

Se a história de fato não se repete, devemos ao menos aprender suas lições para proteger a nossa democracia - antes que seja tarde demais.
A maioria das autocracias contemporâneas não eliminou todos os traços de dissenção ... Porém, muitos fizeram esforços para garantir que jogadores importantes fossem marginalizados, destruídos ou pagos ...  Jogadores importantes podem incluir políticos de oposição, meios de comunicação importantes ou outras figuras culturais...
Numa democracia, os cidadãos têm direito básico à informação. Sem informações críveis sobre o que nossos líderes eleitos estão fazendo, não podemos exercer de forma efetiva nosso direito de voto.

Outra nota: vocês já ficaram de saco cheio de um livro mesmo ele sendo cinco estrelas? juro que já falei tanto de CADM pra tanta gente que depois de postar essa resenha não quero nem ouvir falar no título dele pelos próximos meses