Henrique mora nos subúrbios de Porto Alegre com os pais, e é um garoto que se considera, em todos os aspectos, uma pessoa normal. Está na faculdade, trabalha num posto de gasolina em meio período, tem uma namorada. Fala pouco, é introspectivo, mas cultiva amizades sólidas. Tudo muda quando seu melhor amigo, Gabriel, bate a cabeça num acidente banal e, pouco tempo depois, é hospitalizado em coma. Após uma cirurgia de emergência, não há muito que fazer por ele, dizem os médicos. Apenas esperar. E Ike, os pais de Gabriel, o irmão mais velho e os amigos aguardam o menor sinal de melhora. É então que, perto do Natal, Ike começa a escrever. São cartas em sequência ao amigo, como uma conversa, onde relata o que se passa na ausência do amigo. Para "quando tu acordar", diz ele. "Queria saber quando tu ia acordar, como tu tá, o que tem acontecido, se tem algo que dê pra fazer", escreve Henrique. As cartas são entremeadas por narrativas curtas, que dão a elas uma dimensão adicional: até que ponto Ike sabe realmente o que acontece à sua volta? O que pensam os outros?
Henrique - ou Ike - é um jovem gaúcho (e canoense) como qualquer outro: um pouco perdido, querendo fazer algo memorável sem saber muito bem como, se entre a faculdade, o emprego de atendente em um posto e uma cervejinha no final de semana. Ele não é dramático, não é um super-herói e definitivamente não é o tipo de cara que alguém olharia duas vezes no meio de uma multidão. E, ainda assim, ele vive um drama que poucas pessoas já viveram: seu melhor amigo está em coma.
Henrique e Gabriel cresceram juntos, na mesma vizinhança, mas eram totalmente diferentes: Gabriel se destacava em tudo que fazia, era extrovertido, engraçado, cativante, enquanto Ike sempre foi mais introspectivo, um cara comum. Mas, de algum jeito, os dois eram como irmãos, e quando Gabriel se machuca da forma mais inesperada possível e entra em coma, Henrique decide escrever cartas para atualizá-lo do que aconteceu enquanto ele dormia.
As cartas começam com narrações normais: como todos estão lidando com a ausência de Gabriel, o que os amigos fizeram nas férias da faculdade, como a família de ambos têm levado a vida adiante... porém, com o passar do tempo, Ike transforma aquelas atualizações quase que em um diário, e lemos sobre sua primeira experiência com alucinógenos, as multi-facetas de seu namoro com Manu, as visitas que ele fez a Gabriel; lemos sobre Dante, um garoto que desempenha um papel fundamental na vida de Ike, e sobre Rafinha, irmão de Gabriel.
Durante todo o livro as pessoas parecem incomodadas com Henrique, por não estar chorando, ou de cama, ou morando no hospital com o amigo. Mas com o passar da leitura entendemos que essas cartas são o luto de Ike, a forma como ele consegue se expressar, mesmo que elas acabem o afastando das pessoas ao seu redor.
E entre uma carta e outra, um passeio de trem e outro, acompanhamos Ike tentando conviver com a ausência de Gabriel e ao mesmo tempo descobrindo novas coisas sobre si e as pessoas ao seu redor.
Uns comentários pessoais e coisa e tal
Li esse livro para um projeto de extensão do IFSul, e desde que a proposta foi feita, me peguei ansiosa para iniciar a leitura, primeiro por ser de uma autora gaúcha, e depois porque ele foge bastante dos gêneros que tenho lido este ano.
A verdade é que o livro não me decepcionou, mas também não fugiu do esperado. É o tipo de obra que você lê e no fim não sabe distinguir um ápice da trama ou o que exatamente a leitura te acrescentou; uma daquelas coisas excelentes para matar o tempo, se distrair, mas que não têm muito implícito, tudo já está dado para o leitor.
Gostei muito do formato do livro e da linguagem utilizada, que faz com que tenhamos realmente a sensação de estar lendo algo escrito no calor do momento, sem muita enrolação. Isso torna a leitura meio difícil em alguns pontos, pois os pensamentos de Henrique ficam confusos e complicados de entender, mas aceitei como parte da experiência (até porque se eu estivesse escrevendo para minha melhor amiga, não acho que outra pessoa que lesse entenderia tudo).
Uma coisa que me incomodou um pouco foi o final. Não vou dar spoilers aqui mas senti como se a história não tivesse fechado, e não de forma intencional por parte da autora, foi realmente como se algumas pontas tivessem ficado de fora (pontas bem importantes, diga-se de passagem). No entanto, uma coisa interessante é que para entender bem o último capítulo, é preciso ter sido extremamente atencioso aos detalhes da história, caso contrário nada vai fazer sentido.
Eu recomendo Luzes de emergência para aqueles que estão no meio de uma saga e precisam de uma pausa, algo para desviar o pensamento, ou para quem quer realmente apenas matar um tempinho nessa quarentena. É um livro pesado no quesito emoção, mas que não vai te fazer pensar muito durante a leitura.
Trechos para lembrar...
"Eu penso no teu epitáfio", ele disse. "E tu pensa no meu."
É boa a sensação de não ser nada, mas nada mesmo.
-Quando alguém tão próximo de ti vai embora do nada, tu percebe que tem fotos demais e lembranças de menos.
"Mas", ele disse, "luzes de emergência se acendendo automaticamente podem ser úteis.""Dá pra usar no cinema, em prédios, na rua, coisa e tal.""Imagina essas luzes na nossa vida. Hein, tá dando alguma merda que te tira a noção, que deixa as coisas mais nebulosas. As luzes acendem.""Deve ter pessoas assim, que são luzes.""E quando tu é cego pras luzes, hein?""Daí é uma emergência mesmo."
...então essa é minha vidinha, eu sou feliz e triste e ainda fico me perguntando como é que será que isso é.
