31 de janeiro de 2019

12 Anos de Escravidão, por Solomon Northup

Na minha cidade tem um sebo virtual, onde as pessoas comumente colocam livros de segunda mão para revenda. Eu adquiri 12 anos de escravidão nesse sebo, juntamente com outros sete livros, totalizando oito obras nas quais paguei apenas cinquenta reais! E a vendedora foi generosa o bastante para me ceder o exemplar pela metade do preço, já que eu estava fazendo uma compra "grande".

Resultado de imagem para 12 anos de escravidao livro capaConsiderada a melhor narrativa já escrita sobre um dos períodos mais nebulosos da história americana, Doze anos de escravidão narra a história real de Solomon Northup, um negro livre que, atraído por uma proposta de emprego, abandona a segurança do Norte e acaba sendo sequestrado e vendido como escravo. Depois de liberto, Northup publicou o relato contundente de sua história, que se tornou um best-seller imediato. Hoje, 160 anos após a primeira edição, Doze anos de escravidão é reconhecido como uma narrativa de qualidades excepcionais. Para a crítica, o caráter especial do livro deve-se ao fato de o autor ter sido um homem culto que viveu duas vidas opostas, primeiro como cidadão livre e depois como escravo.

O livro começa contando a história do pai de Solomon Northup, que serviu à família Northup por muitos anos se tornou um homem livre devido a vontade de seu falecido senhor, garantindo, assim, a liberdade também de seus filhos, netos e todas as futuras gerações de sua família.

Solomon é o autor e vivente dessa história tocante. Ele é um cidadão livre de Nova York, que possui uma esposa e três filhos. Ele vive uma vida pacata e confortável, cercado por bons amigos e uma excelente reputação devido a seu desempenho nos trabalhos realizados em várias cidades vizinhas.

Porém, um dia, enquanto andava pelas ruas da cidade de Saratoga, Solomon é abordado por dois homens que lhe fazem uma proposta de trabalho. O acordo é que Solomon os acompanhe em uma viagem que acaba se estendendo até Washington, na qual ele deveria tocar seu violino durante performances artísticas. Ele aceita, sem imaginar que aquela seria a pior decisão de sua vida.

Ao final da viagem, Solomon relata ter sido drogado e posteriormente encarcerado. Ele é então levado a um mocambo e enfiado num navio que ruma para o Sul, aonde é vendido para William Ford, seu primeiro senhor. Sem poder falar uma palavra sobre seu sequestro ou sobre liberdade, ele assume a identidade de Platt, um escravo inteligente e servil, e faz o possível para sobreviver aos encargos da situação.

Ford se mostra um homem fiel a Deus e trata seus escravos com consideração e humanidade. Mas Solomon não demora a ser vendido para Tibeats, e então para Edwin Epps, permanecendo por dez anos nas plantações de algodão deste último, sendo subjugado através da flagelação física e muitas vezes obrigado a praticar o mesmo tipo de violência contra os de sua cor. Lá, assim como junto de Tibeats, ele fica cara a cara com uma das piores formas de desumanidade: a escravidão.

A história de Solomon é tocante, lânguida e sofrida. Ela faz pensar, chorar e torna impossível acreditar em qualquer mistificação sobre a escravidão. O sofrimento e as injustiças são tão absurdos que por vários momentos esqueci que se tratava de uma biografia real, e não de um livro de ficção.

Solomon, por ser um homem instruído, se sobressai entre seus companheiros escravos durante esses doze anos. Seu talento musical e sua esperteza logo o tornam o "negro mais valioso da Louisiana", como diz o próprio Epps no final do livro. Isso o coloca em posições difíceis, como a de capataz, onde ele foi obrigado a punir com chicotadas outros negros, se não quisesse que as mesmas fossem aplicadas em suas próprias costas.

Ele trabalhou em plantações de algodão, de cana, na manufatura do açúcar, em bailes dançantes e fabricando balsas. Solomon desempenhou todas as funções possíveis e cabíveis a sua posição, e ainda assim não foi tratado com gentilezas, pois esse termo não existia, naquela época, quando se tratava de uma pessoa negra.

Por dias e noites ele sonhou em retomar sua liberdade, e quase perdeu a vida nessa empreitada, até entender que precisaria ser inteligente para sair daquela situação. A diferença entre Solomon e aqueles nascidos em escravidão é enervante; apesar de tudo, ele sabia ler, escrever e "falar bem", enquanto os outros escravos foram privados de qualquer tipo de instrução, fadados a mais pura ignorância, na tentativa de deixá-los propensos apenas ao trabalho. Mas isso não os impedia de alimentar o sonho pela liberdade, tanto quanto Solomon.

12 Anos de Escravidão nos mostra que esse sistema, que privilegia uma cor de pele em detrimento da outra, não era baseado em lealdade e conformidade pela parte dos escravos, e sim na força bruta e na crença, passada de geração a geração pelas famílias brancas e escravocratas, de que a pele negra de um homem o colocava numa posição absolutamente inferior. Uma época onde um homem branco poderia arrancar a carne e tirar a vida de quantos homens negros quisesse e depois, em liberdade, alegar que eles lhe haviam "elevado o tom de voz". Onde um escravo deveria sobreviver por sete dias apenas com milho seco e um pedaço de carne de porco, pois não poderia engordar demais e prejudicar o trabalho.

O livro também retrata os lindos rituais trazidos da África e passados de geração a geração através das senzalas, como as festividades de Natal nas margens do Rio Vermelho, as danças, os cantos, as negras vestindo com orgulho seus laços coloridos... Mas seu foco mesmo é o relato de Solomon sobre os abusos aos quais foi submetido.

É, definitivamente, uma obra inesquecível, que deve ser lida por todos, para que assim talvez os mesmos erros não voltem a ser cometidos.

CITAÇÕES

Eu não podia compreender a justiça de uma lei ou uma religião que apoiasse ou reconhecesse o princípio da Escravidão; e nem uma única vez - orgulho-me de dizer - deixei de aconselhar a quem tivesse vindo a mim para que atentasse ao surgimento de uma oportunidade e se arrojasse à liberdade.
Desse modo, acorrentados e em silêncio, percorremos as ruas de Washington, através da capital de uma nação cuja teoria governamental - assim nos disseram - fundamentavam-se no direito inalienável do homem à vida, à LIBERDADE, e à busca pela felicidade.
O jovem Senhor Epps possuía algumas nobres qualidades, embora nenhum processo de racionalização pudesse levá-lo a compreender que aos olhos do Altíssimo não há qualquer distinção de cor. {...} Crescendo com essas ideias - com a noção de que aos negros falta a palidez característica da humanidade -, não admira que os opressores do meu povo constituam uma raça impiedosa e irredimível.

2 comentários

  1. É angustiante ler e ver essas injustiças :( o poder dos livros é inquestionável nessas situações - e em tantas outras.

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    1. a sensação de angústia é quase palpável durante a leitura :c e concordo totalmente com você; apesar do desconforto que causam, leituras desse tipo são indispensáveis

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